terça-feira, 29 de maio de 2012

DL 2012 - O garoto da casa ao lado


Título: O garoto da casa ao lado
Autora: Irene Sabatini
Editora: Nova Fronteira

- Então agora a droga de um desenho virou racista - disse ele, acomodando-se na cadeira muito estreita.


- Não só os desenhos, Ian. Contos de fadas, folclore, filmes; como é possível que o mal seja sempre negro? Como é possível que o rei leão, o menino, o que seja, tenha o sotaque americano da moda, enquanto...


- Lindiwe, é um filme americano, e o rei leão era o personagem principal. Simba, Mufasa, olha só, nomes africanos, e eu gostei demais daquele calau, qual é o nome? Zaza... Nem acredito que estou tendo uma conversa sobre a droga de um desenho.


- O ponto é justamente esse, Ian. Nomes africanos, tudo bem, para animais africanos e tal, e, então, por que não sotaques africanos? A história se passa na África, mas não, eles não podem deixar que o rei leão, o mandachuva, seja africano, e não venha dizer que isso é só uma droga de desenho; o problema são as mensagens, a filosofia, é a imagem...


- Lindiwe, e se a gente vir a coisa de outro jeito? O babuíno, e nem tenho certeza se é um babuíno, mas, enfim, o babuíno é o ancião sábio, a mãe, quer dizer, o Pai África, o berço da civilização. E o cara era um babuíno majestoso pra cacete. (p. 269-270)

A capa de "O garoto da casa ao lado", e mesmo seu título que nos remete à Meg Cabot, são enganosos. Eles nos passam uma ideia de um romance água com açúcar, com muitas emoções e fofuras. O livro tem um pouco disso, em parte ele é "um romance inesquecível sobre as dificuldades e a descoberta do amor", mas ele não é só isso. Ele é mais cru e pesado do que se poderia supor e relata todos os altos e (muitos) baixos de um relacionamento entre uma negra e um branco no Zimbábue pós-independência.

Quando Lindiwe é adolescente, seu vizinho é acusado de atear fogo na madrasta. O garoto é preso, mas liberado depois de um tempo. Apesar de suas diferenças, os dois jovens acabam se aproximando.

Lindiwe sabe muito bem o que é o racismo: sempre foi alvo de risadas maldosas de suas colegas brancas, sempre recebeu olhares de desprezo por aí. Ian tenta ignorar essas coisas e não leva a vida tão a sério.

O período abordado, dos anos 80, logo após a independência, ao final dos anos 90, mostra um país instável politicamente, que tenta construir sua identidade e que agora tem uma maioria negra que conquistou o poder. O livro mostra bem as expectativas dos zimbabuanos em relação ao seu país e a decadência que ele atingiu, devido a um governo totalmente corrupto e violento. É um pano de fundo bem confuso para os que não conhecem muito da história do Zimbábue (e isso inclui eu), mas é interessante.

A autora tenta formar um quadro bem abrangente do Zimbábue e de seus problemas: epidemia de AIDS, decadência das cidades, aumento da criminalidade, revoltas populares que acabam em violência, conflitos raciais. Toda essa decrepitude acaba contrastando com a vida relativamente bem-sucedida (apesar de todos os problemas enfrentados) dos personagens ao final. E isso acabou me deixando com um gosto amargo na boca, porque acabei me apegando mais ao "personagem" Zimbábue do que aos personagens propriamente ditos. Apesar de ela tentar deixar um fiapo de esperança, achei o final meio depressivo para o país.

Recomendo o livro a todos que se interessem pela política e história do Zimbábue e por questões raciais e a quem quer ler um livro africano (Desafio Literário de novembro, oi) sem ter que mergulhar em muitos "exotismos", tradicionalismos e tal, e sem fugir tanto de sua zona de conforto porque, afinal, é uma história de amor, bem atual e narrada de forma "ocidental", por assim dizer.

terça-feira, 8 de maio de 2012

DL 2012 - O palácio de inverno

Título: O palácio de inverno
Autor: John Boyne
Editora: Companhia das letras

Eu não estava lá muito animada para ler esse livro por várias razões: 

1) o tema (Revolução Russa) não é dos mais atraentes para mim; 
2) livro é meio comprido (453 páginas) para meus padrões atuais de menos é mais;
3) Gostei muito de O menino do pijama listado, do mesmo autor, mas O garoto no convés foi meio chatinho e eu esperava que o Palácio do inverno fosse algo mais no estilo do último;

Estava tão desanimada que o livro, comprado há mais de um ano, ficou intocado na estante e foi só o DL que me convenceu a lê-lo. E tenho que admitir que o livro foi uma boa surpresa.

Ele narra a história de Geórgui Danielovitch Jachmenev, um camponês pobre que quase acidentalmente salva a vida do grão-duque Nicolau Nicolaievitch, primo do czar. Em agradecimento, o czar oferece a Geórgui o cargo de guarda-costas de seu filho em São Petesburgo, o que é uma reviravolta e tanto na vida do camponês.

Em 1981, esse mesmo Geórgui Danielovitch Jachmenev vive em Londres e vê a saúde de sua amada esposa Zoia se deteriorar.

O maior mérito do livro, na minha opinião, é alternar um capítulo sobre o passado, a partir de 1915, e um sobre o presente, iniciando-se em 1981. Só que em vez de seguir cronologicamente, os capítulos do presente vão retrocedendo, até que a narrativa do passado e do presente se encontram. É um procedimento interessante, que faz com que você tenha que reavaliar constantemente a história à medida que o passado é revelado.

Tirando essa estrutura temporal, é um livro bem convencional, que poderia ser mais imprevisível. Mas mesmo assim, ele é delicioso de se ler, com boas doses de romance e que acaba montando um quadro da história do século XX na Europa. Achei que ia empacar nele, mas a leitura correu super bem, me senti entretida como não me sentia faz tempo (tá, também me senti assim quando li o da Natsuo Kirino mês passado).

Recomendo!


sexta-feira, 4 de maio de 2012

DL 2012 - A Educação sentimental


Título: A educação sentimental
Autor: Gustave Flaubert
Editora: Difusão européia do livro

De repente, a Marselhesa vibrou. Hussonnet e Frédéric debruçaram-se no corrimão. Era o povo, que se precipitou pela escadaria, num flutuar vertiginoso de cabeças descobertas, de capacetes, barretes vermelhos, baionetas e ombros, com tamanho ímpeto que se viam desaparecer pessoas naquela massa ondulante que subia sem cessar, como um rio impelido pela maré do equinócio, num ulular prolongado, sob um impulso irresistível. Ao chegar em cima, espalhou-se, e o canto cessou.
Não se ouvia agora senão o arrastar de todos aqueles pés, e o marulhar das vozes. A multidão inofensiva limitava-se a olhar. Mas, de quando em quando, um cotovelo comprimido demais partia um vidro; ou então era um vaso, uma estatueta que tombava de um consolo ao chão. O forro de madeira estalava sob a pressão. Todos os rostos estava corados, e o suor escorria por eles em grossas bagas; Hussonnet observou:
- Os heróis não cheiram lá muito bem!
-Ah como você é irritante - disse Frédéric. (p. 96-97 - vol.2)

Fatos históricos é um dos temas preferidos de muita gente no desafio literário, não é? Mas não é o meu.

Talvez porque eu nunca tenha gostado muito de história na escola, ou porque minhas aulas de história foram, em sua maioria, patéticas (só consigo me lembrar de ter estudado Revolução Francesa e Revolução Industrial, todo o resto deve ter sido ensinado de maneira superficial, se é que foi ensinado). Sei que o desafio é exatamente para isso: para expandirmos nossos horizontes e quebrar alguns preconceitos infundados. Mas não sei se isso funciona para mim. (eu sou chata, eu sei)

Como o tema não me anima muito, escolhi incluir como leitura do DL um livro que eu comecei a ler para fazer um trabalho: A Educação Sentimental. O trabalho foi abandonado, mas a leitura progrediu, apesar do livro ser bem chato.

O romance é sobre um jovem, Frédéric Moreau, que se apaixona por uma mulher mais velha e casada. A partir daí, pouco acontece, ou pelo menos foi essa a impressão que eu tive. Frédéric é um babaca que passa o livro inteiro sem fazer quase nada. Sim, ele tem lá suas amantes, umas pouca ambições que ele não leva a sério, e tem sua paixão pela Madame Arnoux, mas o relacionamento deles nunca dá certo.

O contexto histórico da obra (e é aí que entra o tema do desafio) é a Revolução Francesa de 1848. Eu nada sabia dessa revolução, mas o que importa é que foi uma série de revoluções que derrubaram a monarquia Orleans e instauraram a segunda república na França. O romance não se dedica tão diretamente a esse evento, já que o protagonista não se envolve diretamente nele. Temos umas cenas dele passeando por Paris e assistindo ao caos da revolta popular, sempre com certo distanciamento, como um mero espectador. Seus amigos, por outro lado, estão plenamente envolvidos nisso tudo e vivem discutindo os problemas sociais da época e defendendo suas ideologias, coisa que achei meio enfadonha.

Infelizmente, achei o livro todo enfadonho. Mas acho que isso faz parte das intenções do autor, há todo um sentimento de fracasso por todo o romance.

A Educação Sentimental é uma das obras mais importantes de Flaubert, e depois de lê-la, acho que posso dizer que Flaubert não faz muito o meu estilo.